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Em dias calmos,
subia ao cume do monte, ao Colcurínho, e pesquisava onde tinha sido a
pequena edícula que teve a imagem ali encontrada. Conseguiu encontrar a
torça da porta com a era de 1326. Depois sentava-se sobre uma pedra e
alongava a vista para os confins da Serra do Açor ficava-se tempos
esquecidos a meditar, só despertando quando o sol tombava para o poente.
Voltava ao seu albergue, e assim passava os dias este homem que todos
tinham por santo. E ninguém penetrava naquele íntimo, fechado para o
mundo. Passava horas na capela, e todos os dias se fechava na sacristia,
donde saía com uma pequena saca de terra, debaixo da garnacha, que ia
despejar longe da capela. Era a sepultura que êle andava abrindo como os
anacoretas. Ainda hoje existe, mas sem nunca ter quem a ocupasse.
Fora das suas ocupações, vinha espairecer para a lombada do monte, a
idealizar a Via-Sacra, com figuras que mostrassem aos visitantes a via
dolorosa do Senhor.
Vinham as romarias e êle não saía do confessionário a aconselhar, a
confortar, a absolver. E nem tempo tinha de comer as suas frugais
refeições!
Um dia ajoelhou ao seu confessionário, um penitente que vinha dos confins
do reino, acicatado pelos remorsos que lhe martirizavam a alma. A
confissão durava há muito, até que o padre, a certa altura, levantou-se
pálido, cambaleante, vindo prostrar-se ante a Virgem e, ali, de rosto no
supedâneo do altar, ficou muito tempo, balbuciando palavras ininteligíveis
e chorando. Repararam os romeiros naquele homem penitente, e ajoelharam
também, pedindo a Nossa Senhora consôlo para aquele triste.
Passado tempo foi ao seu quarto. Ali, sentou-se a escreveu, escreveu até
noite fechada e, no fim, escondeu o que tinha escrito no segrêdo de uma
gaveta e enfardelando, alguma roupa e tomando o bordão com que ali
chegara, saiu e desapareceu, torneando o monte. Ninguém mais o viu, nem
mais houve notícias do, padre Simão, que engrandeceu o santuário com obras
de arte e acudiu a tanta alma aflita.
Aquele homem foi um mistério para todos, de que hoje só resta a tradição.
Eu tive a felicidade de desvendar este mistério. Andando a desmanchar em
Aldeia uma velha mesa, encontrei em um esconderijo ã história de frei
Simão, escrita por êle próprio. Tinha manchas que eu julgo serem de
lágrimas e a escrita aí não se pode ler.
Este homem era filho segundo de um fidalgo da Beira Baixa. De menino o
destinaram para frade e assim que teve use da razão foi internado no
convento próximo aefez os estudos para cantar Missa. Depois de todas as
ordens, veio a sua casa passar uns dias e despedir-se do mundo.
Frequentava o
solar de seus pais, uma menina, filha de um fidalgo seu vizinho. A donzela
conversou muito com o futuro frade a abriu-lhe o seu coração. Queriam-na
casar com um primo, senhor de muitas terras, que passava a vida nos
montes, entre caçadores a galgos, nas feiras entre cavalos e o resto que
se não diz. Temperamento sentimental, não gostava daquela existência e por
isso negava-se ao casamento, preferindo antes a clausura. Queria uma alma
que a entendesse. Havia nas suas palavras uma tristeza tal, uma
desesperança, que comoveram o padre. E aquelas duas almas entenderam-se e
ajustaram um noivado místico, aprazando-se para se reunirem no Céu.
A pobre menina pediu ao pai que queria ir para um convento, a que êle
respondeu, barafustando, que havia de casar com o primo, custasse o que
custasse. E havia nos seus modos e nas suas falas, uma vontade inabalável. Lançou-se-lhe aos pés debulhada em lágrimas, pedindo que lhe fizesse
aquela vontade, por alma de sua mãi.
- Parece-me que andam por aí conselhos do fradinho Simão, pois êle saberá
com quem se meteu !...
E deixou a pobre donzela arrebatadamente, dirigindo impropérios e batendo
o pé no sobrado.
Quando o primo apareceu à noite contando proezas da caçada, o pai de
Branca, chamou-o a disse-lhe
- Esse Simão, esse frade mundano, meteu umas loas na cabeça de Branca a
por isso é preciso liquidá-lo.
-Vamos a êle, primo... Mando-o arcabuzar pelo "Facadas" a verá que êle
não torna a piar.
A criada de quarto
da menina, sua amiga dedicada, ouviu, de traz do reposteiro, a conversa, e
veio dizer tudo à ama.. Como sabia dos maus instintos dos dois, fechou-se
no quarto a chorar e a lastimar, intimamente, a sorte do infeliz. Quando
acalmou as lágrimas, escreveu um lacónico bilhete ao frade:
«Fuja... Querem
matá-lo... No Céu nos veremos...B.»
E entregou-o à
criada, a sua melhor amiga, depois, de sua mãi morrer.
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